Entrevista concedida à revista Pesca Brasil, 2008
01. O que são consideradas megacidades?
São imensas aglomerações humanas, acima de 10 milhões de pessoas, em ambiente urbano.
02. Como elas se formam? E o que representam para o cenário mundial?
O grande mal que está prejudicando o planeta e a própria humanidade é a superpopulação, que cria os grandes atritos causados pela diversidade social, cultural, econômica e pela busca de recursos à sobrevivência. O êxodo rural é conseqüência do mito da qualidade de vida nas cidades e, também, por sucessivos enganos nos planos de desenvolvimento, que, literalmente, esqueceram das áreas rurais. A grande concentração de serviços essenciais como hospitais, centros comerciais, escolas, por exemplo, em núcleos urbanos são uma grande armadilha montada para “travar” as cidades. Mundialmente, a enorme concentração de pessoas em áreas urbanas (mais de 50% da população mundial, “conquista” recente) traz como resultado as condições sub-humanas de moradia, transporte e segurança, por exemplo, e dificuldades de acesso a serviços como educação, a verdadeira arma de combate à miséria e à violência. Essa “população” se transforma em grupos de tamanho descomunal, fora do controle dos governos, à margem da sociedade e, por si só, uma ameaça à segurança global.
03. Quais são os aspectos negativos enfrentados por essas cidades?
Inúmeros... Tem sido impossível aos gestores públicos suprirem os cidadãos de serviços e os reflexos são terríveis: desemprego,miséria e violência, degradação social, ambiental e econômica, dentre tantas.
04. E os positivos?
A concentração econômica possibilita a estruturação de empresas em mercados de economia de escala, aquela em que se criam condições para produção e comercialização de produtos e bens em grandes quantidades, justificando investimentos em equipamentos e logística, por exemplo. A conseqüência é o amplo acesso a produtos e serviços e, claro, a empregos, ocupação e renda. Ao mesmo tempo, mesmo que para parcelas cada vez menores da população, há acesso a cultura, educação, ciência...
05.Qual o conceito de sustentabilidade urbana?
Nunca devemos perder de vista a idéia de que tentamos preservar para as gerações futuras os recursos de que dispomos hoje. Aplicando-se esse pensamento ao urbano, há condições de preservar e resgatar a qualidade ambiental urbana, e isso não se refere apenas ao modelo de recurso ambiental natural, como as águas, o solo, o ar, mas ao ambiente construído e trabalhado pelo homem, que nele vive, transita e por ele é influenciado.
06. Do ponto de vista do desenvolvimento urbano sustentável, como os governantes de cidades que crescem desenfreadamente podem gerir medidas positivas, ou seja, que acompanhem esse desenvolvimento gerando benefícios para o meio ambiente?
É impossível pensar em medidas que simplesmente gerem benefícios ao meio ambiente. A solução é utilizar a linguagem da ciência da economia, que rege o mundo capitalista e efetivamente implantar o básico princípio do poluidor-pagador, ou seja: poluiu? Paga. Ou ainda: afetou o coletivo? Há um custo inerente, que deve ser, sim, pago. Por exemplo: se a energia elétrica refletir na conta do consumidor o seu custo ambiental real, será mais cara e menos disponível às populações e, assim haverá terreno fértil para o aparecimento de idéias, pessoas ou empresas com soluções alternativas; de qualquer forma, o mundo cada vez será mais do coletivo e menos do individual. Ao invés de construírem imensos estacionamentos, melhor seria investirem em transporte coletivo ou, até, em ciclovias, estacionamento para bicicletas, vestiários nas empresas (para quem utiliza bicicletas) e educação para o trânsito (voltada a motoristas e ciclistas). Há pequenas e grandes soluções; não faz sentido órgãos públicos financiarem residências populares que utilizem chuveiros elétricos ou tijolos que podem ser resultado da queima da Mata Atlântica (lenha ou carvão irregular). É como burlar a própria lei. Cada município deveria constituir uma comissão, ou um conselho, para tratar desses assuntos e propor leis e regulamentos específicos.
07. Visto que o crescimento econômico gera muitos benefícios para a cidade ou país em um sentido geral, não seria viável utilizar esse recurso em prol do meio ambiente?
Não há desenvolvimento possível se não houver uma visão de futuro e um pensamento de manejo de recursos naturais, que são, em si, a base e matéria prima de todas as atividades econômicas. Sem esse pensamento, é como usar um cartão de crédito sem se preocupar com o dia em que a fatura chegar... Em essência, o custo ambiental (já há várias metodologias para medi-lo) deve estar inserido em todos os bens de consumo. Uma lei que penaliza quem exagera na bebida alcoólica proporciona uma redução de mais de 50% nas internações em hospitais; este fato poderia nos fazer pensar em cobrar das indústrias de bebidas o custo que a sociedade tem com aquelas internações, desde que há na sociedade indivíduos que bebem e outros que não bebem. Da mesma forma, há custos relacionados à poluição dos rios, dos oceanos, do solo, do ar. Custos relacionados à saúde, à perturbação da atividade econômica e tantos outros.
08. Quais seriam as principais preocupações ambientais atualmente nesses grandes centros globais?
Pode-se dizer que são quatro grandes grupos de preocupações: saneamento, energia, materiais e emissões. Para onde vai todo o lixo, o esgoto, de todas essas pessoas e indústrias? Quem assume o custo de tratar crianças e adultos vitimados por doenças relacionadas à falta de saneamento? Como suprir de energia tamanha população e como levá-la a todos? Quem assume, por sua vez, os custos ambientais da construção de hidroelétricas, linhas de transmissão e demais equipamentos? Como garantir materiais sem afetar o equilíbrio ecológico? De onde virá a madeira para a construção civil, para os móveis? De onde virão alimentos para essas imensas massas humanas? Como suprir de energia e outros recursos (minérios e água, por exemplo) indústrias de materiais de alto consumo energético como alumínio, cimento e vidro? Da mesma forma, e com um efeito muito mais abrangente, as emissões para a atmosfera geradas em grandes cidades afetam o equilíbrio global e ainda queimam muito combustível fóssil e florestas para suprir a demanda energética desses centros...
09.Quais orientações e pressões estão por trás dos processos de planejamento?
A competição global oriunda da “mundialização” das economias expõe ao combate sociedades em desenvolvimento. Uma disputa entre si e entre elas e as desenvolvidas, que já usufruíram dos recursos naturais e, agora, apelam ao terceiro mundo para que não repitam o erro, sem, de fato, participarem desse processo financeiramente. As grandes cidades do terceiro mundo são as que mais crescem e isso reflete a degradação social a que estão submetidas. Uma alternativa ainda incipiente e tímida é o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), que trata do comércio de crédito de carbono: projetos de reflorestamento, ou de utilização do gás metano antes liberado para a atmosfera e, agora, retido e transformado em energia, por exemplo, têm sido financiados por instituições internacionais para compensar suas próprias emissões para a atmosfera. “Crescer a qualquer custo” é a grande ameaça. Mas não se consegue um desenvolvimento pleno e sustentável sem a participação da comunidade internacional.
10. Será inevitável que as megacidades em expansão originem uma pegada ecológica cada vez mais desproporcionada?
Não. Parece possível acontecer momentos de descentralização positiva e monitorada, desde que haja apoio à criação, ampliação ou aperfeiçoamento de vilas rurais, com relativa independência dos centros urbanos, principalmente no que diz respeito a serviços urbanos.
11. Melhores práticas de design urbano, construção, manutenção e gestão podem reduzir esta pegada? De que forma?
Sim, mas nem tanto pelo seu efeito imediato, mas pelo exemplo de que há soluções possíveis. Além da distribuição realista dos custos ambientais, o mercado pode ser instruído a exigir produtos e técnicas construtivas que privilegiem o respeito aos recursos naturais, mesmo em ambiente urbano. Há equipamentos que reduzem consumo de água ou energia, por exemplo. A população deve acreditar que há um risco e deve se preparar para enfrentá-lo, ao invés de manter a cabeça num buraco. Não são necessárias grandes jogadas tecnológicas, mas o importante é partir de soluções que já existem. Só que sem apoio da população é difícil. Para existir esse apoio teremos dois caminhos: o da legislação e punição ou o da educação e conscientização.
12. Quais as melhores formas para utilizar o espaço acima e abaixo da superfície?
Um dos grandes problemas das grandes cidades é o adensamento desproporcional; isto significa que num espaço pequeno vivem milhares de pessoas, em plena atividade e gerando resíduos, calor, emissões... O ideal é descentralizar, de forma planejada, para não inverter e desperdiçar investimentos em serviços públicos.
13. Tendo em vista que a água é um dos bens mais preciosos no planeta e que na atualidade já está seriamente comprometida, como se pode salvaguardar os recursos hídricos?
Saneamento, saneamento, saneamento... A idéia, também, de realizar cobrança pelo uso da água tem sido utilizada e confere ao utilizador o ônus de sua captação, tratamento, o custo ambiental em si. Por outro lado, como as cidades dependem de seus estoques hídricos, deve-se cobrar do poder público a criação e o fortalecimento de Unidades de Conservação (áreas legalmente protegidas) que efetivamente protejam nascentes e corpos d’água da ação destrutiva da atividade humana.
14.Além da água, que outro(s) recurso(s) pode ser prejudicado pela expansão ou descontrole das megacidades?
Como já falamos: solo, atmosfera (ar), florestas, fauna... Não há recurso natural que não seja afetado.
15. Quais são as perspectivas e modelos para que no futuro as megacidades se tornem eco cidades?
A economia de escala (produção e comercialização em massa de bens e serviços) que elas proporcionam também pode ser a chave para se implantar uma rede de energia produzida por painéis solares em cada edifício, em cada telhado, por exemplo. Ou universalizar aquecimento solar de água de banho, facilitar construção de aterros sanitários proporcionais ao tamanho da cidade, viabilizar grandes usinas de triagem e reciclagem de resíduos, difundir sistemas de reuso de água (reutilizar parte da água nas residências e indústrias) e de captação de água de chuva...
16. Os pontos negativos ocasionados pelo crescimento desenfreado, tais como a destruição de mananciais, podem afetar a pesca?
Sem dúvida. Isso já está acontecendo. O berço das espécies marinhas é o mangue, ecossistema altamente ameaçado. Um dos elementos que garantem a qualidade de um corpo d’água é a mata ciliar, aquela nas margens dos rios, que evita o assoreamento (e perda de navegabilidade) e a perda de espécies animais que dependem daquela vegetação e ambiente. A ocupação das margens de rios é fato em ambientes urbanos e na expansão das cidades são as áreas que preferencialmente são invadidas e degradadas. Em todo o planeta são observadas grandes reduções dos resultados das ações de pesca, tanto devido à degradação desses recursos naturais, quanto pelo que chamam de “overfishing”, ou seja, excesso de coleta de peixes e frutos do mar, devido à imensa demanda de alimentos imposta pelo aumento crítico da população mundial. Raven & Berg (em Environment, 2004) afirmaram que a Rede de Conservação de Peixes Marinhos (Marine Fish Conservation Network), uma coalizão de mais de 150 organizações ambientais, empresas, grupos de pesca recreativa e instituições científicas, declararam que os estoques internacionais de peixes não chegam a metade do nível desejado para a sustentabilidade das atividades pesqueiras.
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