(ou como a Educação Física pode fazer a diferença!...)
Publicado originalmente na edição número 0 do Jornal Mileto, Fev/2009
Aninha prepara-se para o movimento. Deverá correr, apoiar as mãos no solo, realizar um giro e terminar com pés no chão, pernas juntas, corpo ereto, braços estendidos, mãos para cima. Para uma criança de 7 anos é um grande desafio. Em instantes ela estará em evidência, o professor observando, seus colegas esperando um erro para rir, o chão duro deve doer, se cair... Mas em seu cérebro, os neurônios faíscam de excitação, alguns, até, estão se ligando pela primeira vez, através das sinapses. Seus olhos percebem distâncias, sua pele, a temperatura e a umidade, seus pés sentem o solo, e todos enviam sinais ao cérebro, que os processa e responde através de comandos de movimentos. Aninha realiza o movimento com precisão suficiente para receber elogios: vitória! Ela quer mais, ela confia ainda mais em sua capacidade, em seu poder de enfrentar os desafios e os perigos, de improvisar e resolver questões... Aninha está, ali, ficando mais inteligente. Está preparando-se para a prova de matemática, para escrever uma carta, para o vestibular, para aproximar-se de pessoas e cativá-las. Ela está criando referências para a vida.
Sim, atividades motoras têm sido reconhecidas como importante componente do desenvolvimento afetivo de crianças e jovens. Há oportunidades na educação física escolar, na prática livre em praças, praias e terrenos vazios, e em escolas de esportes e academias. A orientação adequada irá provê-los de encorajamento positivo e ajudá-los a estabelecer metas realistas e sincera auto-avaliação. Gallahue e Donnely (2008) sugerem a utilização de “dilemas morais” como meio positivo de aprendizagem. Crianças são, segundo os autores, aprendizes cooperativos em constante autodescobrimento.
É o caso de Aninha que, ao passar por uma rica, empolgante, viva experiência de aprendizado, teve seu pensamento estimulado. O movimento cria a base para crianças tornarem-se pensadores críticos. McBride (1992) foi pioneiro ao considerar o incentivo ao pensamento crítico –ou complexo, como ele também se referia- em Educação Física. Diversos autores indicam condições favoráveis para que se desenvolva pensamento crítico e todas envolvem a “percepção do outro” num amplo sentido de visão verdadeira do coletivo. Estar bem informado, ser compreensivo, sensível às idéias dos outros, paciente e, principalmente, estar disposto para compartilhar idéias. Na Educação Física, em qualquer das suas manifestações, isto significa “reflexão para tomar decisões”. Decisões sobre o movimento. Sobre o próximo movimento, que deve ser razoável, deve ser defensável.
O educador deve estar preparado para identificar as estratégias dos professores de educação física para promover o pensamento crítico. Eles vão estruturar, organizar e avaliar o ambiente de aprendizagem, determinar metas e promover experiências que envolvam análise e contraste de habilidades. E aplicar em atividades desenvolvimentistas de jogo, dança e ginástica, por exemplo.
Não são apenas os educadores que devem estar atentos às estratégias. Mães e pais precisam estar engajados em um projeto conjunto de construção da auto-estima de suas crianças. Foi justamente Gallahue (2002) quem melhor definiu as etapas do desenvolvimento motor desde o nascimento e suas pesquisas são referência a educadores físicos de todo o planeta. Ele foi categórico: para crianças com idade aproximadamente até 11 anos, apenas atividades consideradas “pré-desportivas” são recomendadas. Isto significa que a criança vai se acostumando com regras, competições, eliminatórias, aos poucos. Ela vai experimentar a pressão da “vontade de ganhar” e do “medo de perder”. E percebe a importância do trabalho em equipe, de um técnico, de uma estratégia, a tática. Mães e pais precisam compreender isto. Precisam fazer o dever de casa e completar a estratégia. Realmente, não importa se o filho, na escolinha de esportes, ou na aula de educação física, ganhou ou não o jogo. Marcou um gol? Seu time foi campeão? O que importa é se a criança pôde experimentar sensações novas, praticar movimentos como “correr para trás”, “saltar”, “rebater”, por exemplo. Importa, sim, se ele trabalhou em grupo e aprendeu a melhorar o desempenho de suas ações a partir da cooperação com colegas.
Outra questão frequentemente enfrentada por quem convive diariamente com crianças é o desafio em “plantar” em suas consciências o prazer de exercitar-se com regularidade. Uma expectativa exagerada dos pais pode refletir em ansiedade e aversão a esportes. Pular etapas no desenvolvimento motor e acelerar o processo de amadurecimento emocional em relação a competições, por exemplo, pode precipitar o estresse físico e psicológico. É, justamente, assim que se cria grande resistência no futuro jovem em relação a aderir a uma vida ativa e excluir o sedentarismo de sua vida.
É assim: antes de “jogar tênis”, a criança deve aprender a “rebater” objetos, bolas, bexigas, meias, petecas. Deve aprender a correr para o lado, alterar a pressão de seu peso de uma perna para outra, isolar o movimento dos braços em relação ao quadril, ou tronco. E tudo isso deve acontecer em aulas estrategicamente elaboradas, com elementos atraentes, lúdicos, adequados ao momento e em crescente dificuldade. Nestas aulas podem, até, existir raquetes e bolas de tênis... Criar desafios e metas possíveis e atingíveis é um meio eficiente de cativar crianças e avaliá-las. Ao observar as aulas de tênis de seus filhos, em nosso exemplo, pais devem estar atentos ao ambiente criado pelo professor e ajudá-lo, concentrando seus elogios no esforço, na correta observação dos movimentos, na evolução decorrente da prática dos exercícios que desenvolvem os movimentos fundamentais e as habilidades correspondentes.
É imenso o potencial de evolução individual a partir das experiências vividas ao praticar esportes ou atividades físicas. Foi-se o tempo em que “educação física” era apenas o aprimoramento da saúde e uma forma de disciplinar crianças rebeldes. Já é considerada o principal aliado de educadores de qualquer disciplina. Com a prática esportiva, Aninha, como vimos, aprimorou sua auto-imagem e seguiu fortalecida para enfrentar obstáculos que, com certeza, virão. Cabe a nós torcer por ela.