segunda-feira, março 16, 2009

FEMINISMO



Em minhas postagens de 12 de janeiro e 4 de março falei de situações em que a experiência, a trajetória de vida, o conhecimento, fazem a diferença e, até, podem incomodar outros.

A revista Cláudia deste mês faz homenagens à mulher. A reportagem mais interessante é uma grande bronca nas mulheres mais jovens ou as que não se informam devidamente sobre as verdadeiras conquistas femininas nos últimos 50 anos...

Lembro-me de meu grupo de trabalho na faculdade de arquitetura. Éramos 5. Eu e quatro moças. Nossa tarefa: elaborar uma "família" de cartazes sobre algum tema social. Escolhemos o "feminismo". E, assim, acabei descobrindo que eu era mais feminista do que cada uma de minhas quatro colegas!... Eu tinha 19 anos.

Confesso que fiquei satisfeito ao ver a chamada à consciência da reportagem da revista. Ela denuncia, na verdade, mulheres que, ao serem chamadas de feministas, torcem o nariz, como se estivessem sendo ofendidas.

- Feminista, não. Feminina!

Como se apenas mulheres feias, gordas, peludas, mal-amadas, solitárias pudessem ser feministas. É um total desconhecimento das trajetórias de personalidades que sofreram para que as mulheres, hoje pudessem, por exemplo:

- Almejar funções de comando e igualdade de remuneração em qualquer organização
- Escolher por ser mãe ou não, assumindo o controle sobre seu corpo
- Denunciar agressões e, não, ver diversos agressores declarados inocentes pela "defesa da honra".

A reportagem, claro, assume que ainda há muito a se conquistar, mas que atitudes de desprezo e repulsa aos movimentos que mudaram a vida das mulheres apenas dificultarão novos passos. Não se perde femililidade ao lutar por direitos constitucionais e plenamente justos.

Comparo com meus comentários a respeito de jovens ingênuos que acreditam estar 100% preparados para a vida profissional, ou a respeito das pessoas que, ajudadas, revoltam-se contra seus benfeitores. É semelhante. Mulheres que acreditam ser maiores do que a história, mulheres que imaginam que as coisas sempre foram como são, hoje. Mulheres que não se orgulham de fazer parte de um movimento que já se iniciou há décadas e querem, então, "mostrar que têm personalidade". Estas, sim, estão fora da linha da história.

Vale a pena ler a reportagem.

PROFISSÃO

Comentários de Tuiávii, chefe da tribo Tiavea, nos mares do sul, aos seus irmãos, quando regressou de sua viagem à Europa:

É difícil dizer o que é “profissão”, mas todo europeu tem uma. É uma coisa que se deve ter muita alegria ao fazer, mas raramente isso acontece. Ter uma profissão significa fazer sempre a mesma coisa, uma só coisa, e tantas vezes que se consegue fazê-la de olhos fechados e sem esforço algum. Se com minhas mãos outra coisa não faço além de construir cabanas ou tecer esteiras, construir cabanas ou tecer esteiras é minha “profissão”.

Lá na Europa existem pessoas que já não podem correr, pois criam muita gordura no ventre, como os porcos, porque têm que estar sempre parados, obrigados pela profissão. É raro ver um europeu que salte, que pule como criança, depois que fica adulto. Pelo contrário, quando anda, arrasta o corpo, como se alguma coisa travasse o seu movimento. Ele disfarça, nega esta fraqueza, dizendo que correr, pular, saltar não são decentes para um homem importante. Hipocrisia: é que seus ossos estão duros, sem movimento e seus músculos não têm mais animação porque a profissão o fez sonolento e morto. Ela lhe destrói a vida, insinua-lhe bonitas coisas, mas na realidade lhe chupa o sangue.

A profissão também prejudica o europeu de outra forma. Existe ódio ardente entre os homens que têm profissões diferentes. Todos estão sempre comparando as suas profissões, cheios de inveja e má vontade. Fala-se em profissões elevadas e baixas, embora todas sejam apenas atividades parciais. Por causa da profissão, o europeu vive confuso. É claro que não quer pensar nisso, mas ele nunca conseguiu nos fazer compreender porque havemos de trabalhar mais do que Deus exige para que possamos comer o necessário, cobrir a cabeça com um teto e nos divertirmos com as simples festas da aldeia. O europeu suspira quando fala no seu trabalho, como se uma carga o sufocasse. O Grande Espírito não quer certamente que fiquemos cinzentos por causa das profissões, nem que nos arrastemos feito as tartarugas e os pequenos animais rasteiros da lagoa. Ele deseja que continuemos felizes e firmes em tudo quanto fazemos; que não percamos a alegria dos nossos olhos e nem o contentamento com a simplicidade da vida.

Extraído do livro "O Papalagui", de Erich Scheurmann, escrito em 1920..