Sim. Arte. Serve para quê?
Valor contemplativo, é isso?! Ficamos tocados ao ouvir uma melodia, observar uma pintura, ouvir uma poesia, assistir a uma peça de teatro... Muitas vezes consideramos "boa arte" aquela que digerimos com facilidade. Ou seja, se a sua estrutura é semelhante a modelos, padrões, que já possuímos, podemos compreendê-la e aceitá-la. Algo como ficarmos em nossa "zona de conforto"... Neste caso, não nos acrescenta nada, mas pode trazer sossego à alma. Seria esta, então, a função da arte, para um indivíduo e para a sociedade? Desculpe, mas me parece muito pouco.
Tenho aprendido que a arte é a expressão de culturas, o retrato de caminhos por elas percorridos e a suspeita de caminhos que elas percorrerão. A arte teria, então, a responsabilidade de prospectar caminhos, propor novas linguagens, novos matizes, novos ritmos. Além de evidenciar a história da cultura de uma sociedade, arte acaba sendo uma forma de vivenciar -experimentar- o futuro, de dar um passo e sentir a firmeza do solo. Claro, se for realmente Arte.
Neste cenário, arte deve instigar a reflexão e, claro, provocar. Chocar.
Sexta-feira, 3 de abril, foi a cerimônia de reabertura do Teatro Municipal de Ilhéus. Estivemos lá para prestigiar o trabalho da Fundação Cultural com apoio da Prefeitura Municipal e da Secretaria Estadual de Cultura. Um teatro repaginado, que já passou por períodos de glória e decadência, mas chega a 2009 com instalações refeitas e com aparência de novo.
Diversas apresentações, algumas de grande qualidade: poesia, música, pintura e dança. Com grande destaque, ao final apresentou-se o Grupo de Dança do Teatro Castro Alves, de Salvador. Na platéia, amantes da arte e leigos. Senhoras conservadoras e jovens com ares de ousadia. Políticos e cidadãos. Cultos e ignorantes. Até a apresentação deste grupo, pudemos observar aquela arte da zona de conforto. Músicas e poesias de aceitação fácil, daquelas sobre as quais qualquer um diz:
- Muito bom! Que qualidade, que expressão!
Ou seja: arte "adequada". No entanto, veio a arte que mexe, a arte que cumpre sua potencial função de provocar. Quarenta minutos contínuos de dança contemporânea, que, para muitos, parecia uma total improvisação. Nada de músicas melodiosas, nada de bailarinos apenas jovens e padronizados, nada de cenários e figurinos deslumbrantes.
Ao invés disso, correrias, movimentos ríspidos, descontrolados, chiados e ruídos... Música? Às vezes. Coreografias uniformizadas? De vez em quando. Mas, sim, uma atmosfera de criação, de verdadeira arte. Uma grande novidade, para a maioria dos presentes. Eu vi e participei de eventos há mais de 20 anos, como "100 cidadãos dançantes", de Klauss Vianna, em São Paulo, quando frequentava aulas de J.C. Violla. Violla, Klauss e Ivaldo Bertazzo eram os grandes "inovadores do movimento" naquela época. Fiquei orgulhoso de ver algo semelhante -uma evolução, uma sequência- em minha cidade. É bonito? Não sei, não interessa a subjetividade da beleza. Interessa a função de criar caminhos para a cultura, ao invés de apenas remexer nos caminhos que já foram trilhados...
Olhando bem, percebia-se claramente o resultado de laboratórios realizados em engenhos e plantações de cana-de-açúcar, e este era o tema: Engenho. Evidenciavam-se os momentos em que todos estavam em sintonia e ritmados, em contraposição à liberdade de movimentos segundos antes e segundos após. O conjunto e o resultado ficou, a meu ver, maravilhoso.
O prêmio a esta arte foi o fato de que algumas pessoas, talvez dez delas, levantaram-se no meio da apresentação e foram embora, com ares de "o quê é isso?!"... Arte que é arte provoca reação e não pode ser unânime.
Parabéns! Vocês fizeram arte!
E você?! Tem feito arte em sua vida? Ou tem apenas repetido velhas fórmulas e conceitos?