A emoção é incontrolável. Imagens de crianças de olhos molhados e assustados acolhidas por pessoas que não as conheciam, mas que se apresentaram para atenuar o sofrimento. Em todo o país há organização, recolhimento e envio de donativos. Em dinheiro e em bens.
- Precisamos de papel higiênico, água, leite...
- Anotem a conta corrente que está recebendo doações.
Realmente é animador e, sim, emocionante. Pessoas que pouco têm compartilham este pouco com quem ficou sem nada. E, de alguma forma, é bom que seja assim.
Mas há uma questão que, para mim, não pode ser deixada de lado. O poder público está incumbido de zelar pela segurança da sociedade. Deveria planejar em médio e longo prazo, aplicar recursos em prevenção, fiscalizar, monitorar, orientar... Não, não é "choradeira" de alguém que apenas esperaria atitudes do governo e não cumpre a sua parte.
Todos sabem que o custo de reparação é muito maior que o de prevenção. No Japão, consideram uma relação de 7 para 1. Cada unidade monetária investida em prevenção promove a economia de 7 unidades que seriam gastas com a reconstrução. Políticas não planejadas ou efetivadas, então, têm o poder de gerar tragédias e, com licença aos sofridos parentes das vítimas -vidas não têm valor-, resultar em uma despesa imensa.
Ora, se houvesse uma única entidade chamada "poder público", ela estaria assumindo para si o risco de não prevenir adequadamente desabamentos, inundações, e mortes, muitas mortes. A despesa para recuperar cidades, plantações, vias, escolas, hospitais e também os recursos para atender desabrigados e a multidão que sobrevive nos hospitais deveria estar prevista nos orçamentos públicos.
É bonito, mas muito injusto que a população, que não criou o risco e a despesa, "ajude" os governos a suprir as vítimas de tragédias como as que aparecem a toda hora nos telejornais e em nossa memória. O governo precisa de ajuda? Ele preferiu correr o risco! São, na grande maioria, tragédias anunciadas e previstas, de causas muito bem conhecidas!!
Alguém poderia dizer que, ok, mas se o governo não comparece, que venham os voluntários e os doadores! Faz sentido. Mas que fique claro que estamos, assim, fazendo o papel do governo e, até, criando um fator de acomodação.
O governo arrecada. E muito. Como direciona estes recursos é problema de toda a sociedade. Ao invés de nos mobilizarmos para verificar -e, se for o caso, contestar!- as decisões orçamentárias dos governos, passamos nosso tempo mobilizados para atender vítimas. Parece que precisamos desta "emoção da solidariedade" para nos sentirmos úteis, participativos, bondosos...
Realmente, "prevenção" parece ser tabu e palavrão, tanto para os políticos quanto para a sociedade.
A energia reunida em momentos como o atual, de mobilização social para suprir vítimas de tragédias, poderia, também, ser canalizada para um grande movimento social pela prevenção.
Seria bom mencionar também que alguns daqueles "voluntários" que recebem as doações, separam o que lhes interessa primeiro. Vem a pergunta: será que chegam, realmente, às mãos de quem precisa?
ResponderExcluirNo Haiti, só 37% foi realmente distribuído !!!