quarta-feira, janeiro 19, 2011

Voluntariado, prevenção e o custo da tragédia

A emoção é incontrolável. Imagens de crianças de olhos molhados e assustados acolhidas por pessoas que não as conheciam, mas que se apresentaram para atenuar o sofrimento. Em todo o país há organização, recolhimento e envio de donativos. Em dinheiro e em bens.

- Precisamos de papel higiênico, água, leite...

- Anotem a conta corrente que está recebendo doações.

Realmente é animador e, sim, emocionante. Pessoas que pouco têm compartilham este pouco com quem ficou sem nada. E, de alguma forma, é bom que seja assim.

Mas há uma questão que, para mim, não pode ser deixada de lado. O poder público está incumbido de zelar pela segurança da sociedade. Deveria planejar em médio e longo prazo, aplicar recursos em prevenção, fiscalizar, monitorar, orientar... Não, não é "choradeira" de alguém que apenas esperaria atitudes do governo e não cumpre a sua parte.

Todos sabem que o custo de reparação é muito maior que o de prevenção. No Japão, consideram uma relação de 7 para 1. Cada unidade monetária investida em prevenção promove a economia de 7 unidades que seriam gastas com a reconstrução. Políticas não planejadas ou efetivadas, então, têm o poder de gerar tragédias e, com licença aos sofridos parentes das vítimas -vidas não têm valor-, resultar em uma despesa imensa.

Ora, se houvesse uma única entidade chamada "poder público", ela estaria assumindo para si o risco de não prevenir adequadamente desabamentos, inundações, e mortes, muitas mortes. A despesa para recuperar cidades, plantações, vias, escolas, hospitais e também os recursos para atender desabrigados e a multidão que sobrevive nos hospitais deveria estar prevista nos orçamentos públicos.



É bonito, mas muito injusto que a população, que não criou o risco e a despesa, "ajude" os governos a suprir as vítimas de tragédias como as que aparecem a toda hora nos telejornais e em nossa memória. O governo precisa de ajuda? Ele preferiu correr o risco! São, na grande maioria, tragédias anunciadas e previstas, de causas muito bem conhecidas!!

Alguém poderia dizer que, ok, mas se o governo não comparece, que venham os voluntários e os doadores! Faz sentido. Mas que fique claro que estamos, assim, fazendo o papel do governo e, até, criando um fator de acomodação.

O governo arrecada. E muito. Como direciona estes recursos é problema de toda a sociedade. Ao invés de nos mobilizarmos para verificar -e, se for o caso, contestar!- as decisões orçamentárias dos governos, passamos nosso tempo mobilizados para atender vítimas. Parece que precisamos desta "emoção da solidariedade" para nos sentirmos úteis, participativos, bondosos...



Realmente, "prevenção" parece ser tabu e palavrão, tanto para os políticos quanto para a sociedade.

A energia reunida em momentos como o atual, de mobilização social para suprir vítimas de tragédias, poderia, também, ser canalizada para um grande movimento social pela prevenção.

Um comentário:

  1. Seria bom mencionar também que alguns daqueles "voluntários" que recebem as doações, separam o que lhes interessa primeiro. Vem a pergunta: será que chegam, realmente, às mãos de quem precisa?
    No Haiti, só 37% foi realmente distribuído !!!

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