terça-feira, janeiro 05, 2010

Ilha Grande, APP e responsabilidades

Logo após o deslizamento de milhares de toneladas de terra sobre casas e uma pousada na Ilha Grande tive o impulso de comentar aqui o fato de que tais edificações estavam em área de proteção permanente e nunca deveriam ter sido ali construídas. Eu sei que é uma APA -que deve ter um zoneamento ecológico-econômico-, mas, mesmo que não fosse, há uma Lei Federal que deixa claro que não se deve intervir em restingas (praias), margens de rios, encostas...

O governador Sergio Cabral apressou-se em acusar as invasões dos morros -no continente- e que, "na Ilha Grande a situação é diferente". Eu estranhei.

Desde o início desta tragédia me senti bastante envolvido. A Baía da Ilha Grande é minha velha conhecida. Conheço cada uma das enseadas, por ali ter velejado e mergulhado muito, durante vários anos. Trabalho com consultoria a pousadas parecidas com a Sankay. Bem planejada, construída com carinho, um empreendimento familiar. Conheço os perigos de deslizamentos de encostas, assunto sempre presente nos debates em oficinas e audiências de planos diretores e projetos para orlas. Sei das restrições à ocupação de áreas protegidas e o quanto nossa sociedade perde com isso.

Mas, agora, veio à tona a realidade. O próprio governador assinou uma lei estadual -que jamais deveria se sobrepor à Lei Federal (Código Florestal)- simplesmente autorizando a ocupação na APP (área de preservação permanente) dentro da APA. A APA é estadual, mas há uma lei superior que trata desta questão e, agora, Ministério Público, IBAMA, ONGs deverão aprofundar e tomar as providências.


O deslizamento não aconteceu devido à ocupação da restinga, mas, claro, um ambiente natural havia sido invadido indevidamente e -quem não sabe?- a natureza é imprevisível. Claro que o invasor não é o culpado. Poder público existe para isso. Regulamentar, orientar e fiscalizar.

O Estatuto da Cidade, outra Lei Federal, determina como devem ser os Planos Diretores Municipais. Municípios com mais de 20 mil habitantes ou municípios turísticos são obrigados a elaborar sua lei municipal nos moldes deste estatuto. É fundamental ser participativo e, dentre outras exigências, deve criar o Conselho da Cidade, um órgão que reúne entidades públicas e da sociedade civil e deve gerir o próprio Plano Diretor. Onde está o PD de Angra dos Reis? O que diz o Conselho da Cidade?

O SNUC -Sistema Nacional de Unidades de Conservação- é outra Lei Federal. Esta, trata das áreas protegidas e diz que o Conselho Gestor de uma Unidade de Conservação -no caso, uma APA- deve ser consultado para concessão de Licença de Construção ou alteração -criação- de seu zoneamento. Onde está este Conselho?

O poder público deve fazer acontecer o que dizem as leis.

Além das mortes e do prejuízo direto, a imagem da Ilha Grande e do turismo de natureza no Brasil, dos quais tantas pessoas dependem, ficou absurdamente prejudicada.

Quem foi "beneficiado" com aquela lei transversal? Mais de mil assinaturas demonstraram que havia oposição a ela, na época. A lei vale para poucos ou para todos?

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