segunda-feira, outubro 12, 2009

Mirella bombardeada e a música como escudo


Recentemente a vida tornou-se um inferno para Mirella. Ela ouve meias frases dos adultos e completa-as usando sua imaginação. Mas uma coisa é certa. Algo está errado com ela. Do alto dos seus seis anos, esta é a sua certeza.

Afinal, ela não conhece ninguém que tenha ido a tantas consultas: otorrino, oftalmo, fono... E aquelas aulas extras, à tarde na escola. Apenas ela -tem dois meninos, mas não contam, são de outra turma e são... meninos. Agora tem essa história de psicopedagoga. Com esse nome não pode ser coisa boa...

Algumas de suas colegas já tinham avisado: "Não quero brincar com você!", ou "Se você ficar conversando com ela, não sou mais sua amiga!". Tanto na escola quanto no balé tem "colegas" assim. Sua mãe -e todo mundo- vive dizendo que "ela é assim, mesmo, não tem jeito", e sempre fala alto, na frente de todos: "Você é muito distraída, não se concentra!..."

Resultado: falta tempo. As torturantes aulas-extra deviam continuar. O que deveria ser cortado? O balé. Afinal, Mirella havia desanimado ali também, pois algumas colegas "não gostavam dela"...


Regina, mãe de Mirella veio conversar comigo. Minha primeira pergunta:

- Você veio comunicar uma decisão ou pedir a opinião de um educador sobre isso tudo?

Era a primeira opção, mas ficou um pouco sem graça e um pouco curiosa -será que pode haver um caminho diferente para Mirella?.

-Por que? A "escola" já analisou o caso de Mirella e indicou a fono, a psicopedagoga e insiste nas aulas-extra, de reforço.

Na conversa fiquei sabendo que Mirella havia desanimado do balé por causa de algumas colegas. Além disso, que odiava as aulas-extras. Mais: vi o laudo da fonoaudióloga que exprimia um certo constrangimento. Nada que ela pudesse fazer, nehuma anormalidade na fala, na dicção. Sugeria uma psicopedagoga... Fazia ruídos ao dormir e foi ao otorrino, que indicou um tratamento de três meses antes de decidir por uma cirurgia. Foi, também, ao oftalmo. Sim, óculos de 0,75 graus poderiam fazê-la menos dispersa e poderia, até, brincar sem eles.

Um verdadeiro bombardeio.

Falei com cuidado, mas falei. O principal foco estava descartado, abandonado.

-Alguém neste script está preocupado com a emoção de Mirella? Os olhos, os suspiros, as falas de todos conduzem a uma única conclusão, para ela. "Eu tenho problemas!".

Ela não sabe o que é cirurgia, mas pelo incômodo que foi aquele tubinho em seu nariz apenas para examiná-la, deve ser algo terrível. A fono deve ter descoberto algo, pois nem quis dizer! Óculos? Se minhas colegas já não gostam de mim, imagine com óculos! E aquele exílio às tardes, com nome de "aulas de reforço"?! É melhor parar, mesmo o balé, pois "eu não tenho jeito, mesmo..."

Fui ajudando a fazer Regina perceber, primeiro, o estado das emoções de Mirella. Depois, inevitável, reforcei a tese de que nossas crianças refletem nossas palavras, nossos pensamentos, nossas atitudes. Ela estava, sim, dispersa, com dificuldade de relacionamento. E o boletim? Surpresa! Boas notas. É uma linda menina de seis anos, a princípio com atitudes normais, aprendendo a ser rejeitada e muito observadora. Cheia de... Qualidades!!!

Sugeri, depois de muita conversa, que Regina procurasse afinar suas próprias atitudes com um projeto voltado para recuperar a auto-estima de Mirella. Indiquei o livro "A Auto-estima de seu Filho" (foto) e tracei uma estratégia: primeiro, nada de aulas-extra. Para justificar -e faz sentido-, Regina iria solicitar à escola que a psicopedagoga fizesse um "laudo", semelhante ao da fono. E, depois, decidiria o que fazer. Ao mesmo tempo, faríamos uma conversa a três: ela -a mãe, a professora de balé e eu, pois a proposta da Escola de Dança é, justamente, atuar como suporte nas crises do processo de formação da "pessoa". Talvez a atividade mais importante para se trabalhar a sociabilidade era a que, em primeiro lugar, seria cortada... Todos por Mirella! Em casa, Regina iria identificar e reforçar as qualidades verdadeiras de Mirella, sem exageros e aceitando com tranquilidade suas reações. E o mais importante: introduzir a música na vidinha de Mirella! Flauta, violão, piano...

- Como é possível educar uma criança e prepará-la para a vida sem desenvolver sua musicalidade?!

Bingo!! Reportagem de capa do Suplemento Feminino (protesto, por que "feminino"?!) do jornal O Estado de São Paulo neste domingo -e depois de minha conversa com Regina- trata justamente desse diferencial. "Música é uma forma de interagir com o mundo e integra um trabalho do corpo, da mente, da intuição, do pensamento racional e intelectual". O texto cita vários casos de "Mirellas" que se encontraram e se resolveram a partir da introdução da música em suas vidas. E faz uma lista dos estímulos provocados pelo aprendizado musical: socialização (ó a Mirella aí, gente!), percepção sensorial, ritmo, memória auditiva, timbrística, fala, lateralidade, atenção e reação (Mirela, lembra?), conhecimento corporal, linguagem gestual e coordenação motora.

Sim, temos, então, uma estratégia, mas a grande transformação que eu espero que a conversa tenha causado é aquela em... Regina. Ela pareceu compreender que suas palavras, ações e pensamentos estão refletidas em Mirella e naquelas variáveis que deve agir, a partir da reflexão e compreensão de sua própria auto-estima e alegria de viver!

Sim, claro, os nomes estão trocados!

Nenhum comentário:

Postar um comentário